Vanderlei Silveira
O Consultor que Nunca Vai Embora
Ele bate meta, entrega resultado e é sempre elogiado — mas nunca ensina, nunca estrutura, nunca forma sucessores. E assim, empresas seguem contratando salvadores ao invés de criar líderes.

Fomos chamados pela Empresa X para construir um programa de treinamentos em liderança. O objetivo era claro: tornar os líderes mais efetivos, com postura mais ativa e capacidade real de conduzir os setores com autonomia. Antes de aplicar qualquer conteúdo, iniciamos uma fase de investigação para entender os fluxos, os gargalos e os pontos onde o método de Liderança Prática poderia gerar mais impacto. Foi nesse momento que o sócio operacional nos chamou de forma reservada e compartilhou uma preocupação específica com a área comercial.
A empresa contava com uma consultora externa responsável por organizar o setor de vendas. Segundo ele, o time só performava bem quando ela estava presente. Quando se ausentava, os resultados despencavam. Isso, à primeira vista, poderia ser lido como competência — mas com um pouco mais de escuta, vimos o que realmente estava acontecendo: a consultora centralizava conhecimento, método e resultado. Não havia transferência. Não havia construção de cultura. O time não se desenvolvia. Tudo passava por ela. E a empresa havia se acostumado a isso.
Essa mesma consultora também fornecia os leads — mil por mês, sem qualquer qualificação prévia. O valor era fechado por volume bruto, sem considerar taxa de conversão, origem, ou perfil do cliente ideal. O setor de vendas recebia o pacote e seguia a rotina. A única pessoa que sabia como filtrar, conduzir e converter era ela. Nem o líder do setor sabia explicar o que era feito. Quando questionado sobre taxa de conversão por etapa, CAC, LTV ou controle de metas diárias, ele se perdia. O comercial, no fim das contas, era um corpo com batimentos artificiais — só pulsava quando a consultora estava lá.
Foi aí que começamos a estruturar o caminho de virada. E ele não era imediato, nem superficial. Eu disse ao sócio operacional: “Você precisa estudar vendas.” Pelo menos 15 dias. Funil, métricas, indicadores, comportamento, tipos de lead, tempo de resposta, taxa de conversão. Estuda como se fosse você o novo gerente. Depois disso, chame a consultora e peça que ela descreva o processo. Pergunte com base no que você aprendeu. E mais: pergunte ao seu líder interno o que ele entende, o que ele acompanha, e compare. Se ninguém consegue descrever com clareza o que está sendo feito, é porque ninguém sabe de verdade o que está sendo feito. E como diz a frase atribuída a W. Edwards Deming: “Se você não pode descrever o que está fazendo como um processo, você não sabe o que está fazendo.”
Também orientei: se a consultora não entregar as informações, sente uma semana no comercial. Observe. Escute. Veja se há metas diárias, controle de follow-up, tempo médio de retorno. Veja como ela cobra, como ela organiza o funil. Comece a documentar você mesmo. E com base nisso, comece a treinar o seu líder interno. Porque se ela sair e a empresa parar, a culpa não é dela — é da ausência de estrutura. Um negócio não pode depender de quem não ensina.
A liderança prática entra justamente aí. Não como salvadora, mas como provocadora de autonomia. O líder que forma outros líderes, que acompanha os indicadores, que entende o ritmo do comercial e se envolve com os dados. Ele não precisa ser especialista em tráfego, copy, CRM ou script — mas ele precisa ter controle e visão suficiente para avaliar o que funciona, o que é justo e o que é sustentável. Quando isso acontece, a empresa deixa de depender de gente “boa de resultado” e começa a confiar no próprio processo.
Porque no final, o que sustenta uma empresa não é uma estrela isolada — é um time com clareza, método e liderança viva na operação. Consultores podem ajudar, mas não podem ser insubstituíveis. E o papel do líder prático é exatamente esse: tirar o resultado da mão de quem centraliza e colocar no coração de quem constrói.
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